Tenho deixado as janelas fechadas ultimamente. Tenho permanecido no escuro. Tenho mudado minha caligrafia, anda apressada, torta, desigual, quase irreconhecível mesmo para mim que sempre fiz questão de mantê-la milimétricamente perfeita, quase invejável. Tenho mudado meus vícios de perfeição e metodologia e abraçado o desejo de não arrumar nada, não alinhar nada, não planejar nada, não botar nada no lugar. Promovendo mudanças na pessoa e não no ambiente. E tudo nele me tem destoado, tudo! Tenho tentado configurar um outro ambiente, dentro de um já existente. Tentando mudar as paredes de uma casa que está imutavelmente pronta...
As pessoas também têm se configurado ao meu redor, mas isso ainda me causa dúvidas. Algumas vezes me vejo nelas e outras, simplesmente não entendo o motivos para tamanhas diferenças. Passam agora a falar uma língua que não entendo, ou teria sido eu é que mudei minhas palavras e minha forma de traduzir o que dizem? As pessoas todas ao meu redor sempre tiveram o mesmo discurso e eu não notei?...
Os lugares para onde vamos, ou estamos dizem muito daquilo que somos, não é? E é pensamento comum à maior parte das pessoas, que, escolhemos ficar onde estamos ou ainda, nos mudamos para outros lugares, porque somos seres em busca da felicidade. Talvez para uma minoria, estranhamente haja a necessidade de afirmar que este mesmo desejo demudança não está baseado na busca da felicidade – e aí me incluo! Ah não! Acho que os meus anseios ainda não podem ser assim classificados, num patamar tão alto, batizado por muitos de felicidade. Acho que é muito mais pelo desejo demudança pela mudança e todo o aprendizado que é agregado à ela. Afinal, será possível aprender certas coisas no ambiente em que nos encontramos? Assim como uma nova língua – aprendemos em sua plenitude sem experiênciá-la em suas origens? Não chegará o momento em que o lugar, as funções e até mesmo as pessoas esgotam suas possibilidades de aprendizagem?
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Dia desses fui atropelada por uma lembrança. Quando eu tinha quinze anos, acompanhei a minissérie “Hilda Furacão” na Rede Globo. Essa lembrança foi tomando corpo na mesa de um bar, conversando com um amigo. Me lembrei do quanto aquela história chamou minha atenção. Mas que engraçado! Na época eu nem imaginava que o que chama nossa atenção em diferentes idades, passa a não ter importância nenhuma em outras. E aquilo que passou despercebido, passa a ter mais foco. Naquele ano, por exemplo, o que chocou as pessoas era o escandaloso envolvimento entre um padre e uma prostituta.
Enfim, que o que naquele dia, lá no bar, me chamou a atenção foi o movimento da personagem Hilda. A pessoa simplesmente tinha tudo pronto, concluído, preparado, fixo, sólido, estável (outra coisa que mudou, já que não os tenho mais na minha lista de sinônimos úteis e positivos) e de repente, decide que nada daquilo é o que deseja, foge no dia de seu casamento, ainda vestida de noiva e vai parar num prostíbulo. De onde afirma a um repórter, que acompanha sua intrigante história, que sabe exatamente o dia em que partirá dali. Pois então, passados cinco anos, faz as malas e some no mundo.
Me ressoa muito como algo que ouvi há uns dias de um recém chegado à minha cidade – “quis partir, deixar tudo pra trás, incluindo a mim mesmo. E estranhamente vi que quem eu imaginava ter deixado lá naquele lugar, me acompanhava na verdade, pois não estava pronto, acabado, mas estava ainda em construção, em acabamento.”
E aí que dia desses, ele dá uma mudança total de ambiente, que vai além dessas janelas fechadas, além desses falares estranhos, para depois fazer as malas e sumir no mundo tudo de novo...