domingo, 1 de maio de 2011

A muralha da China. Digo, do afeto...


Trabalho com adolescentes. Mas isso não quer dizer que eu entenda muito a respeito deles. Sobretudo a respeito daquela fase terrível de comportamento que quase todos eles passam. Ficam revoltados, arredios, se fecham, emburram com facilidade, não se encontram, não sabem o que querem, enfim, aquela fase difícil pela qual todos nós já passamos. Uma fase de confusão no que sentimos e no que queremos.

E estes dias, pensando nessa fase do comportamento, me lembrei de um detalhe que me chamou atenção quando eu estava nessa idade e nessa fase. Foi algo que minha mãe costumava dizer ao se queixar do fardo que minha adolescência foi pra ela. Dizia assim: “Pra mim, você é duas pessoas completamente diferentes. Com os teus amigos você é educada, carinhosa, engraçada, comunicativa, interessada e aplicada. Quando vem pra casa é completamente o oposto. Fica calada, não quer saber de conversa, é grossa e muitas vezes mal educada!”

É claro que como se tratava da adolescência eu pouco me importava em justificar essa contrariedade no meu comportamento. E nem poderia! Eu não entendia porque me comportava daquela maneira. Na verdade eu nem queria saber – minha mãe é que era uma chata que só pegava no meu pé (bem justificativa de adolescente, né?).

O fato é que somente agora me interessei por entender mais a respeito disso tudo. E me parece tudo muito claro. Esse entendimento me ajuda muito a compreender e conviver melhor com os meus alunos. Mas esse texto não é para descrever o comportamento-adolescente. E sim para refletir o quanto existem adultos que ainda se comportam dessa maneira – agindo de uma forma na presença de algumas pessoas; e de outra completamente diferente na presença de outras. O que poderia explicar esse comportamento? O que reteve da adolescência? O que há em comum e que permaneceu na vida adulta?

Dá para traçar um paralelo aqui com uma conversa que estava tendo outro dia com um professor meu. Ele estava dizendo o quanto nos revelamos, nos despimos na intimidade. Por exemplo – existem registros na adolescência de algumas pessoas, que as acompanham na vida adulta - broncas, defeitos e fraquezas expostas, rebaixamentos ao pedir coisas e favores, entre outros episódios que causaram chateação. É como se quiséssemos manter uma proteção, construir uma muralha que nos proteja de demonstrar o que temos por dentro de tão oculto e com o qual não sabíamos e ainda não sabemos lidar. É como se as pessoas que fazem parte mais íntima de nossa convivência possuíssem óculos de raio-x para aquilo que realmente somos. Fazemos um esforço danado para esconder, mantendo aquela pose de sério, de poucos amigos e pouca conversa, mas parece não adiantar – eles, os familiares ou os que tem esse contato afetivo mais íntimo e inicial, nos conhecem despidos, como somos, ou como eles se acham no direito de achar e julgar.

Afinal, não há como estabelecer relações de afeto que não demonstrem abertamente quem você é. O problema ocorre justamente quando você não quer ou não sabe lidar com aquilo que lhe é mais íntimo. São nesses momentos que chega a ocorrer até comportamentos arredios – de grosseria, de falta de interesse, de apatia com o outro. O que é bem típico dos adolescentes, e infelizmente de alguns adultos que ainda não se olharam. Como quem diz: “ah, não vou olhar pra dentro não! Quem dirá deixar os outros vejam! Vai que só tem coisas feias ali?!”

Penso que o fato de não se conhecer internamente é que cria esse medo, essa insegurança da abertura e que reflete na proteção, nesse murinho enorme em volta de si. E quando estamos na presença de nossos preciosos amigos, só nos ocupando de sermos engraçados e interessantes, sem a necessidade de demonstrações de afeto, não corremos o risco de expor o que está lá dentro. 
 

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