domingo, 16 de outubro de 2011


"Cada língua que você fala é uma vida que você vive. É muito diferente amar e odiar em cada idioma. Porque a língua é o caminho da alma, é o caminho do seu interior e do seu inconsciente."
(Elke Maravilha – 8 idiomas)

E quem foi que disse que desejo deixar meu interior assim, todo à mostra? Todo curvado a qualquer poder exercido sobre ele?... Eu controlo o meu interior, logo controlo o meu dizer! Alguma relação com o sujeito racionalista e cartesiano de Descartes?... O sujeito que é senhor absoluto de seu dizer? Bom, mas não é deste filósofo francês que pretendo falar neste texto.

Se eu te perguntar qual é a sua maior dificuldade em aprender uma outra língua talvez me diga que é escrever, ou pronunciar, ou ainda entender a gramática. São respostas voltadas à estrutura da língua, isso é fácil de notar. Mas será que você chegaria a imaginar que as dificuldades podem ir muito além dessas citadas e terem na verdade algo a ver com as primeiras afirmações desse texto? Algo mais relacionado ao espaço cultural de cada pessoa?

Bom, podemos então partir do princípio de que aprender uma outra língua é entre outras coisas ceder o seu espaço cultural para entrada de um outro. E se esse novo “pacote cultural” advir do que muitos chamam ou entendem como língua do poder, da dominação assim como é vista a língua inglesa? Vamos além – e se todo esse novo espaço cultural que está chegando tiver que dividir espaço com um que é em muitos aspectos patriota? O que eu faço com a sensação de recusa que tenho à essa língua, mas que seria um diferencial na minha carreira? Temos aqui um agravante: eu tenho que aprender essa língua logo, rápido, por conta de uma necessidade, ou ainda uma imposição.

Vejamos: como em qualquer movimento cultural, as influências e os desenvolvimentos são complexos. De um modo geral, a ideia é explorar as inter-relações (as "estruturas") através das quais o significado é produzido dentro de uma cultura. Os significados dentro de uma cultura são produzidos e reproduzidos através de várias práticas, fenômenos e atividades que servem como sistemas de significação pessoal.

É a partir daqui que vou tentar me aventurar na complexa relação entre poder e conhecimento. Para tanto, utilizarei de citações e conceitos daquele que provocou minha curiosidade na relação de resistência que algumas pessoas apresentam na aprendizagem da língua inglesa. Isso sempre me intrigou – é uma dificuldade que ultrapassa as estruturas da língua e vai para um campo que me parece ser mais constituidor do sujeito, de suas crenças, hábitos e costumes.

Um dia eu estava assistindo a um documentário sobre o filósofo francês Michael Foucault e ouvia muito uma série de termos que não pude deixar de relacionar às ideias que desejo aqui desenvolver. Para ele o aprender, o conhecer são experiências que envolvem o teste de nossos limites, o paciente com "a nossa impaciência pela liberdade". O que explica o tema da relação entre o poder institucional e individual. Esta constituição estabelece o poder do conhecimento e é por sua vez fundada por eles: o conceito de "poder do conhecimento".

E ainda em suas palavras - "Não há relação de poder sem constituição correlativa de um campo de conhecimento, ou que não pressupõe e constitui, ao mesmo tempo relações de poder”. Estes relatórios de "poder-saber" não são analisados a partir de um conhecimento sobre o que seria livre ou não do sistema de poder, mas em vez disso, devemos considerar que o sujeito sabe, está consciente, os objetos são como os efeitos dessas implicações fundamentais do poder-saber. O poder não é uma autoridade exercida sobre questões de direito, mas acima de tudo um poder imanente na sociedade, que se reflete na produção de normas e valores.

Pensando a partir da introdução do ensino da língua inglesa em nossa sociedade, em nosso meio, podemos entendê-lo como aquele que investe sobre o os aprendizes um micropoder e, silenciosamente, inventa formas de dominação, mas que pode também oferecer a oportunidade para novas possibilidades de vida. Ele precisa, dessa forma, de uma delimitação formal. Precisa ser justificado de forma abstrata o suficiente para que seja introduzido psicologicamente, a nível macro social, como uma verdade a priori, universal. Desta necessidade desenvolvem-se regras do direito, surgindo, portanto, os elementos necessários para a produção, transmissão e oficialização de "verdades". "O poder precisa da produção de discursos de verdade.” – “Vai ser um diferencial na sua carreira.” ou “Seu salário e oportunidades se multiplicariam se você falasse inglês.” Essas últimas duas afirmações lhe são familiares?...

Continuando. O poder não é fechado, ele estabelece relações múltiplas de poder, caracterizando e constituindo o corpo social e, para que não desmorone, necessita de uma produção, acumulação, uma circulação e um funcionamento de um discurso sólido e convincente. "Somos obrigados pelo poder a produzir verdades", nos confessa o pensador, "somos obrigados ou condenados a confessar a verdade ou encontrá-la (…) Estamos submetidos à verdade também no sentido em que ela é a imposição, e produz o discurso da verdade que decide, transmite e reproduz, pelo menos em parte, efeitos de poder."

Em todas as relações há um dominante e um dominador. Parece uma afirmação pesada, mas considere um professor como detentor do saber e seu aluno como aquele que receberá o conhecimento. Poucas pessoas sabem do poder que o conhecimento gera e o professor, a partir de Foucault pode ser pensado como o detentor do poder e sob algumas interpretações, como detentor de mecanismos de opressão. A autoridade nunca se dá de maneira pacífica. Em relações harmoniosas, entre seres livres não há relações de poder. Daí brota o movimento de resistência na aprendizagem dessa língua de dominação mundial. Porque para muitos, ela vem mais como imposição do que qualquer outra coisa. Representa todo o autoritarismo daquela nação – Estrangeira, externa, estranha!

Gostaria de caminhar para o final dessas reflexões dividindo algo de minha experiência profissional. Todas as vezes que estou diante de um novo aluno, uma coisa me interessa em primeiro lugar e sempre o questiono do seguinte – “o que te motiva, qual a sua razão para aprender este idioma?” E quase todas as vezes a resposta se resume a uma única – “Trabalho, proficiências, meus pais, meu chefe, uma viagem...” Ou seja, sob muitas formas de dizer, a grande maioria sempre chega movida por uma necessidade ou imposição externa. Raríssimos são os casos onde a pessoa me responde que partiu de um desejo pessoal dela, algo interno.

Não quero dizer que é uma certeza confirmada que aqueles que vem por um querer pessoal sempre serão alunos mais fáceis de ensinar. Mas sem dúvida – aquele que chega pela imposição representa na minha opinião pessoal e profissional maiores desafios e consequentemente descobertas de possibilidades. Se é uma verdade que cada um aprende de formas diferentes e que por isso o ensinar não é uma fórmula pronta para todos, então esses diferentes ensinares se multiplicam pra mim quando estou diante dos casos mais resistentes. Pois as complexidades do ensinar se somam juntamente aos de aprender.

Ao passo que o aluno está tentando se convencer a não desistir e aprender, eu não posso e não quero convencê-lo de nada. Ou seja, nada imposto pode partir de mim, senão este aluno terá os dias contatos nesse processo de aprendizagem e será mais um daqueles que se muda de escola para escola, de professor para professor.

Eu pessoalmente acredito que o caminho para a não-sensação da imposição está na troca. A troca que para mim fica evidente todas as vezes que me sento diante do aluno e começamos a aula. É como se eu dissesse para mim mesma e também para ele – “Então tá, vamos começar a trocar!” - O conhecimento que eu tenho não será passado a você porque somente eu o possuo. Você também possui os seus, você os trouxe com você e cada vez que me sento aqui com você é uma oportunidade que eu tenho de notá-los e aprendê-los. Aprender com você uma outra forma de ensinar, porque você é único. E você tem comigo a oportunidade de aprender outras formas de adquirir saberes. E esse momento agora descrito por mim vai além de qualquer língua verbal que se possa, deseje ou precise aprender. É uma língua que já está com a gente, que é mais enraizada, mais interna e que não exige e muito menos impõe nada a ninguém.

Considerações finais:
Agora deixando de lado toda a seriedade e posturas acadêmicas que ficam implícitas num texto como esse, marcado por citações de grandes pesquisadores e filósofos que me auxiliaram na construção de todo esse saber, eu não poderia deixar de lado a maior ajuda de todas. De certa forma porque ela foi presencial e eu gostaria de citá-la.
Disse ao Beloy dia desses: Me diga tudo que você sabe de Foucault. E ele não poupou esforços. Me explicou tudo, indicou sites e até ficou de me trazer uns livros para me aprofundar no assunto. Mas quando eu disse que ia deixar a seriedade de lado, eu me referia a uma das respostas do Beloy quando citou Foucault: “Fabiana, como diria meu pinto de óculos, não existe relação de poder entre seres livres.” Rs!
Se você nunca ouviu essa piadinha sobre o filósofo utilizado aqui, tenho certeza que vai rolar até o início desse texto, onde se encontra a foto do cara para fazer a comparação, né seu pervertido?... rsrsrs!

Valeu mais uma vez, Beloy!
Fique longe das faquinhas de rocambole!

Nenhum comentário:

Postar um comentário